Monday, March 17, 2008

Se não fosse demasiado tarde
e o mundo irremediavelmente pardo,
devorado pelo medo que paira,
transfigurado pela fealdade da ira.

E antes tresandasse a coragem
e vomitasse a cobardia,
e engravidasse de humanidade.

Acabava-se o medo
que me impele a debitar palavras
sem lógica, desvairadas.

Ao som de balas perdidas

Friday, February 08, 2008

Fechei a torneira
A água escorria pela parede, suja,

matizada de ferrugem pura.
Tive medo.

Tentei fechar a torneira para que a água não se esgotasse.
Não fui capaz, a torneira não cedeu nem um milímetro...
e a água tornou-se vermelho negro
e agora o sangue não pára de escorrer pela parede
e confundir-se com o medo que não parece mais que demência.
Mas o sangue é real, viscoso e quente…
e chega ao chão gélido como os cadáveres dos que não conheço.

Nos tempos da inocência não sabia que se morria à sede,
só abarcava a morte das flores.

Wednesday, July 25, 2007

Perdoa-me...
não saber olhar para os teus trabalhos,
não saber ler as tuas palavras.
Tudo o que é teu é vida,
e eu sou o lado sinistro do verbo, a morte.
Iria roubar-te luz, apoderar-me da tua força,
Destruiria os teus sonhos, um a um... sem piedade.


Um dia olhar-te-ei de frente, num outro século talvez, (porque não...?)
Voltarei inteiro, sairei do coma.

Saturday, May 12, 2007

Dúvida
O brilho ameaçador das tuas pupilas trespassa-me.
Os meus olhos não interferem com a tua violência.
Sou a criança que observa o mundo que desconhece.

A pergunta permanece… Dar-me-ás tempo para ter a percepção do que enfrento?

Friday, October 06, 2006

Caminhos
A prepotência dos que se julgam íntegros enoja-me.
Ser-me-iam absolutamente indiferentes…

Se não se atravessassem segundo a segundo no meu caminho.

O mapa que assinala os trilhos dos que se crêem inatacáveis fere-me a vista.

Thursday, July 13, 2006

A sangue frio

Não te quero apático,
Quero-te de sentidos despertos.

E dá-se início à cena:

Adivinhas-me...
{o terror é-te palpável...}
Observas-me...
{reconheces a dança dos passos...}
E escutas-me já sem reacção
{não há volta atrás}

Um dia será minha a queda. Até lá... Elimino eu!

Saturday, May 20, 2006

Alguns
Alguns julgam-se inteligentes...
Alguns... compreensivos.
Alguns julgam conhecer-nos,
Ou sequer poder julgar-nos.


Alguns tanto julgam que nos julgam num tribunal. Pois julgam mal!

Saturday, March 25, 2006

Opiniões
Tolero mal a opinião totalitária até dos que não ma dão. A insistência hipócrita com que desejam fazer prevalecer os seus pontos de vista, inutiliza-os. O tique-taque inexorável do relógio da sala de reuniões do departamento de marketing, anuncia a rescisão de todos os segundos anteriores aos que se sucedem.


Há mais opiniões que segundos. É essa a ironia.

Friday, February 17, 2006

Confesso
Tolero-te, suporto-te,
Sem expectativas, paixão.
Por hábito, rotina,
Quiçá... até cobardia

[que ironia]


Omito-me diariamente... numa rota que há muito é de colisão.

Thursday, January 19, 2006

Sessenta
Segundos
Escrevo, explico, ensaio, hesito,
Reajo ao sarcasmo. Sorrio, grito
Escondo o rosto, oculto o riso
Silencio-me...
Sempre
Um minuto tarde demais...



Não jogo. O jogo tem uma componente assimétrica que me corrompe a inocência.

Wednesday, January 04, 2006

Suposições
Beijo-te entre desejos
de tão-somente beijar-te.
Pressupões o simples
ensejo
de revelar-me nu.


Desvendas o que não anseio, atraiçoado na ânsia do beijo

Sunday, December 04, 2005

Vazio
Teatralizo sorrisos diante do espelho,
e reflectidos, vejo esgares.
A reentrada em cena soa,
ainda antes de subirem a cortina,
a lugar comum.



A robotização social. Ensaiada, com estreia em palco e pouco aplaudida.

Wednesday, November 16, 2005

Obituário de um ser
Hoje este espaço é meu e não desejo caracteres.
Hoje não existem amanhãs.

Os amanhãs são dos que trespassam
os outros, tornando-os transparentes.
Invalidando-os.
Os amanhãs são dos que nada valem,
dos que facilmente atraiçoam,
dos que preferem assassinar ideais.
Os amanhãs são dos donos da verdade.
Os amanhãs são dos que caminham
fingindo-se humanos.


Hoje não existem amanhãs. Pensarei melhor depois. Ou talvez não...

Wednesday, October 26, 2005

Devoro-te
As minhas palavras
mutilam-te corpo e mente
{e tu sem dares por nada}
Articulo-as, uma a uma
refinada, lenta,
pausadamente,
como se nada fosse
{e tu sem dares por nada}


Sou o lobo disfarçado de ovelha {e tu sem dares por nada}

Thursday, October 13, 2005

Palcos de vida
Louras, ruivas, morenas.
Agora,
Vestígios humanos reinventados
por luzes escassas e brilhos agressivos.
Sorriem sem tonalidade para o olhar
que as devora a conferir-lhe as carnes.
Depois,
Saem pela porta dos fundos,
a coberto da noite, para voltarem a ser gente.
Enquanto eles saem pela porta da frente,
convencidos que o são.


A dança dos olhares gastos, cansados e pagos, nada mais é que um carrossel

Sunday, October 02, 2005

Subtilezas
O amor, no dedilhar dos poetas,
possui a beleza dos gatos selvagens.
Surge suave, imperceptível.

Ataca à jugular.



A instabilidade felina sempre nos hipnotizou. Mortalmente.

Tuesday, September 27, 2005

O Momento
O relógio de pulso que parou.
A vida tornara-se fugaz como
uma borboleta esvoaçante.
O seu pestanejar delicado e belo
dissimulara a brevidade temporal.



Cada ser humano é uma ampulheta orgânica.

Monday, August 29, 2005

Imortalidade
A ânsia para que nos apresentem diariamente a imagem da juventude, não nos deixa intuir que é essa mesma ilusão que nos tornará inevitavelmente invisíveis.



Pagamos a peso de ouro o único verbo que não permanece

Tuesday, August 23, 2005

Lampejos
Nos últimos anos o teu olhar estava oculto no dele. Por vezes surgias num brilho inesperado e eu ficava à espera de mais. Preso ao momento. Quando ele também partiu, aceitei então que a verdade dos factos não residia apenas na substância.


A genética serve única e exclusivamente parte do todo

Friday, August 19, 2005

Rescaldo
Restam inícios de tarde devorados por nevoeiros lamacentos. Vidas atravessadas pelo inferno. Resta a opacidade da mata carbonizada e os focos de incêndio lá longe que se assemelham a lava e ainda o medo de atravessar uma realidade sufocante, irrespirável.




Não há enquadramento possível para a angústia e a devastação em directo

Monday, August 15, 2005

Putrefacção incipiente
Viro a cara para não ver os animais mortos na berma da estrada. Transfiro-me para cenários de guerra e estradas onde corpos inanimados de seres humanos permanecem ao abandono. Nas aulas de código ensina-se que não se trava perante um animal. Às tropas em guerra ensina-se-lhes que ou matam ou morrem.



A sobrevivência clarifica as regras do jogo

Saturday, August 13, 2005

A utopia da sensibilidade
Afinal os homens choram
É-lhes negado, sim, sonhar,
mas porque é inoportuno.


Não há tempo para a face humana de Deus

Friday, August 12, 2005

Se te disser que me irritam os dias de praia, dirás que minto.
Que me envolvo em areia e mar e aparentemente me queimo sem medo ao sol. Mas de facto é tudo um enorme fingimento. Espero apenas que o dia termine para que possamos retornar à nossa confortável monotonia.



Tenho propensão para gastar o tempo à toa

Thursday, August 11, 2005

A recusa invariável da constatação
do vazio absoluto consome-me.
Minto
Repetitivamente.
Decifras nas entrelinhas,
por silenciar,
Resquícios
obscenos de mim.



Nada do que digo se supõe que faça sentido

Wednesday, August 10, 2005

Refracção
Retirei a fotografia do caixilho
e rasguei-a. Metodicamente.

O seu enquadramento
no meu presente
tornara-se desfocado.


Ainda não há software para retoque de passados

Expus-me
num primeiro grito de vida.
Anotaram "cesariana".
Na verdade foi "parto natural".
Mas isso é absolutamente irrelevante.

Termos técnicos.
Apenas.


Poucos factos correspondem a observações correctas
Dicotomia
Lavrar-te-ei a carne
Inflado de ar e algodão
Destilarás éter e paz.
O som de um telemóvel

O teu
Atendo
Pai? Pai…

Ouve-se mal
Diz filho…
Gosto de ti…
E eu de ti
A chamada cai
Desligo a máquina
Hora do óbito
14h.55m


Nenhuma verdade é absoluta